Skip to main content

Projetos socioambientais: como captar recursos e ampliar o impacto

A água, em sua essência, é vida. É um recurso muitas vezes invisível, mas que permeia cada alimento, cada atividade que realizamos e sustenta os ecossistemas. Paradoxalmente, em regiões onde há abundância de rios e chuvas, a água potável e segura ainda é um privilégio distante para milhões de pessoas. O Brasil, com toda a sua riqueza hídrica, reflete de forma dolorosa essa contradição. Em plena Amazônia, onde corre o majestoso rio Amazonas, comunidades inteiras conviveram com a escassez, e muitas vezes a contaminação e a falta de infraestrutura mínima prejudicam o direito humano à água.

Em Porto Velho (RO), mesmo cercados por rios, moradores vivem uma realidade onde água limpa é muitas escassa. O cotidiano das comunidades vulneráveis do Baixo Madeira, em Porto Velho, é um testemunho da resiliência humana em face da escassez hídrica, mesmo à beira de um gigante hídrico. A água, elemento vital que sustenta a vida, torna-se um bem precioso, um sonho distante para muitos.

A dificuldade em obter água potável é um tema recorrente nas conversas com os moradores. A busca por água é uma luta diária, moldada pelas estações do ano e pelas peculiaridades de cada comunidade. Antes da chegada de poços artesianos, o rio era a principal fonte, exigindo longas jornadas e o uso de bombas. No entanto, a seca implacável transforma o cenário, expondo praias extensas e dificultando o acesso à água. A instalação de poços artesianos surge como uma promessa de alívio, mas nem sempre a solução é eficaz, com relatos de água ferruginosa ou poços que secam. Em meio as dificuldades, as comunidades se unem para superar a escassez. Vizinhos compartilham água de seus poços, dividindo os custos da energia. A gestão comunitária dos recursos hídricos demonstra a capacidade de organização e a busca por soluções coletivas. É nesse cenário que projetos socioambientais se tornam não apenas importantes, mas vitais.

IMG 5387 1

Em Manaus, cidade banhada pelo encontro das águas do Rio Negro e do Solimões, a seca histórica de 2023 e 2024 revelou outra face dessa vulnerabilidade. A estiagem severa reduziu drasticamente o nível dos rios, comprometendo o abastecimento e limitando o acesso à água para comunidades ribeirinhas e urbanas que já viviam em situação precária. O fenômeno, intensificado pelas mudanças climáticas, mostrou que mesmo os maiores rios do mundo podem não dar conta. 

Os projetos socioambientais são, nesse contexto, pontes de esperança. Eles conectam ciência, política, tecnologia e humanidade. Promovem a restauração de nascentes, a proteção de matas ciliares e o fortalecimento de práticas tradicionais que respeitam o ciclo da água. Nas comunidades rurais, por exemplo, a falta de saneamento básico ainda é uma das principais causas de doenças de veiculação hídrica, como diarreias, hepatites e parasitoses. Segundo dados da Instituto Trata Brasil (2025), o Brasil registrou um total de 344,4 mil internações por doenças relacionadas a saneamento inadequado, falta de água potável. O uso inadequado de fertilizantes, a disposição inadequada de resíduos e a defecação a céu aberto contribuem para transformar um problema ambiental em uma grave questão de saúde pública.

2 1

Para essas comunidades, projetos de educação ambiental são fundamentais. Muitas pessoas desconhecem a relação direta entre o que fazem no cotidiano — jogar lixo no rio, lavar roupa diretamente na beira do igarapé, defecar em áreas próximas a nascentes, rios e poços — e as doenças. A educação ambiental é necessária para transformar um quadro de crescente degradação socioambiental, mas ela ainda não é suficiente (JACOBI, 2003), ela deve ser realizada de maneira participativa e envolvendo a cultura e realidade local, pois assim poderá fazer com que cada pessoa se sinta pertencente e com isso queira realizar ações mais sustentável em prol da água. 

Captar recursos para viabilizar e ampliar esses projetos não é tarefa simples. Requer sensibilidade, competência técnica e um olhar estratégico para além do curto prazo. O Brasil possui diversas fontes de financiamento, como fundos públicos e linhas de apoio oferecidas por organismos internacionais e empresas privadas. Entretanto, para acessar esses recursos, os projetos precisam ser bem estruturados, com diagnósticos precisos, metas claras, indicadores de impacto e estratégias de sustentabilidade financeira.

A articulação com os Comitês de Bacia Hidrográfica é um passo estratégico, pois são espaços legítimos de decisão, onde se discutem prioridades e se podem captar recursos advindos da cobrança pelo uso da água. Além disso, cada vez mais investidores e financiadores buscam projetos alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o ODS 6 (água potável e saneamento), o ODS 13 (ação contra a mudança global do clima) e o ODS 15 (vida terrestre). Mostrar como um projeto contribui para essas metas globais é um diferencial competitivo essencial.

Na Amazônia, a urgência é ainda maior. A região concentra alguns dos maiores rios do mundo, além de ter aquíferos importantes e que abastecem municípios inteiros, mas também enfrenta pressões imensas: desmatamento, garimpo ilegal, contaminação, avanço da urbanização e mudanças climáticas. A seca recorde de 2023-2024 deixou barcos encalhados, comunidades isoladas e cidades inteiras dependendo de caminhões-pipa. Essa crise hídrica evidenciou como a falta de preparo para eventos extremos pode agravar vulnerabilidades e criar um ciclo de insegurança hídrica e alimentar.

 3 1

 

Projetos que buscam devolver a água para a bacia — por meio da recarga de aquíferos, reuso, reflorestamento, manejo e usos sustentável da água — são cruciais para aumentar a resiliência socioambiental. A restauração florestal, por exemplo, tem impacto direto na infiltração de água, na regulação do ciclo da água, na proteção da biodiversidade e no equilíbrio da temperatura. Em comunidades rurais, a introdução de fossas sépticas adequadas, sistemas de filtragem e pequenas estações de tratamento descentralizadas pode mudar radicalmente o panorama de saúde pública, reduzindo casos de doenças e fortalecendo a economia local; adicionalmente os produtores rurais podem ser grandes contribuintes por trazer água de volta para bacia hidrográfica.

Além da infraestrutura, é imprescindível investir em capital humano. A capacitação de lideranças locais, o incentivo a jovens para que se tornem agentes ambientais e a valorização do conhecimento tradicional são componentes-chave para que os projetos ganhem legitimidade e longevidade. Sem participação efetiva da comunidade, qualquer intervenção tende a ser frágil e passageira.

A emoção que move esses projetos é também o que os torna tão especiais. Quando vemos uma criança bebendo água limpa pela primeira vez, uma mãe aliviada por não precisar mais caminhar quilômetros para buscar água ou uma comunidade celebrando a recuperação de um igarapé, entendemos que cada real investido vai muito além de números em relatórios. Vai para a dignidade, para o futuro, para a vida. Projetos que conseguem transmitir a urgência, a relevância social e a capacidade de transformação mobilizam corações e mentes, atraem recursos e formam parcerias duradouras. As histórias humanas por trás das estatísticas precisam ser contadas com empatia, clareza e compromisso.

 

4 1

 

Em tempos de crise climática e crescente desigualdade, cuidar da água é, simultaneamente, cuidar da saúde, da economia e da democracia. Ao conectarmos ciência, educação, tecnologia e amor ao próximo, podemos não apenas salvar rios e aquíferos, mas também reverter histórias de dor em trajetórias de esperança. 

A água, afinal, não é apenas um recurso. É um direito, é um símbolo de vida, é a essência que nos conecta como humanidade. E, talvez, seja nossa maior responsabilidade para com as próximas gerações. 

 

O MUNDO PRECISA DE ÁGUA.

Referências

INSTITUTO TRATA BRASIL. Brasil gasta R$ 174 milhões com internações por doenças relacionadas à falta de saneamento em 2024. 2025:  https://tratabrasil.org.br/brasil-gasta174-milhoes-internacoes-saneamento/

JACOBI, P. Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade. 2003:

https://www.scielo.br/j/cp/a/kJbkFbyJtmCrfTmfHxktgnt/?lang=pt