Dia de Proteção às Florestas
Celebrado em 17 de julho, o Dia de Proteção às Florestas nos convida a refletir sobre a importância desses ecossistemas, que vão muito além de sua beleza ou riqueza em biodiversidade. As florestas são verdadeiras guardiãs da água, do clima e da vida no planeta. São elas que mantêm o equilíbrio hidrológico, regulam o ciclo das chuvas, conservam a qualidade dos solos e asseguram a provisão de serviços ecossistêmicos indispensáveis para a sobrevivência humana e para a economia.
Em um contexto de crise climática, crescente pressão demográfica e degradação ambiental, proteger as florestas significa, acima de tudo, garantir o acesso à água em quantidade e qualidade adequadas para todos.
As florestas exercem um papel crucial no ciclo hidrológico, ao absorver água através das raízes e liberá-la na atmosfera por evapotranspiração, as árvores ajudam a manter a umidade do ar e a formação de nuvens, fenômeno conhecido como "bomba biótica de umidade" (MAKARIEVA & GORSHKOV, 2007). Na Amazônia, por exemplo, estima-se que cada árvore de grande porte possa liberar até 1.000 litros de água por dia na forma de vapor, a quantidade de vapor de água que sobe para atmosfera devido à evapotranspiração é comparável a quantidade de água que sai na foz do rio Amazonas, cerca de 20 bilhões de toneladas por dia(NOBRE, 2025).
Esse processo é essencial não apenas para manter o regime de chuvas locais, mas também para influenciar o clima em regiões distantes, contribuindo para o abastecimento de bacias hidrográficas fundamentais para a agricultura e a geração de energia em todo o Brasil.
A degradação florestal impacta diretamente a disponibilidade e a qualidade dos recursos hídricos. A retirada da vegetação reduz a infiltração de água no solo, aumentando o escoamento superficial e a ocorrência de erosão. Esse processo carrega sedimentos e poluentes para os rios, comprometendo a qualidade da água e elevando os custos de tratamento. Além disso, a diminuição da cobertura florestal altera a capacidade dos ecossistemas de armazenar água em aquíferos e reduzir picos de cheias e inundações (FILOSO et al., 2017). Assim, as florestas funcionam como esponjas naturais, armazenando água e liberando-a gradualmente para os mananciais, garantindo o fluxo de base dos rios durante períodos secos.
A conexão entre florestas e água é particularmente evidente na Amazônia. A maior floresta tropical do mundo é responsável por regular grande parte das chuvas que alimentam o Centro-Oeste e o Sudeste do Brasil, regiões que dependem da agricultura e concentram a maior parte da população. Eventos recentes, como a seca histórica de 2023-2024 na Amazônia e seus efeitos devastadores sobre o Rio Negro e outros afluentes, mostraram como o desmatamento e as mudanças climáticas podem comprometer o abastecimento hídrico em regiões urbanas e rurais (AGÊNCIA BRASIL, 2024).
Além da Amazônia, o bioma Mata Atlântica, cinco estados já tiveram mais de 80% de sua cobertura original destruída (SOS Mata Atlântica, 2022), desempenha papel fundamental na proteção dos mananciais que abastecem grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. As florestas nativas atuam como filtros naturais, removendo nutrientes, metais pesados e sedimentos antes que a água chegue aos reservatórios. Sem a cobertura vegetal, a vulnerabilidade hídrica das metrópoles brasileiras se intensifica, agravando problemas de escassez e de contaminação.
O Cerrado, conhecido como a "caixa d'água do Brasil", também merece destaque. Apesar de não ser tecnicamente uma floresta, suas formações vegetais complexas armazenam água em profundidade e alimentam as nascentes de oito das doze principais bacias hidrográficas do país, incluindo as bacias do São Francisco, Tocantins-Araguaia e Paraná (WWF, 2024). O avanço do desmatamento e a expansão desordenada da agropecuária têm colocado em risco essa função estratégica do Cerrado, com impactos diretos sobre a produção agrícola, a geração de energia hidrelétrica e a oferta de água para consumo humano.
Os impactos da degradação florestal não são apenas ambientais. Eles se refletem em perdas econômicas significativas. De acordo com o Banco Mundial (2021), os custos relacionados à degradação de ecossistemas e à escassez hídrica podem atingir até 6% do PIB em países em desenvolvimento, afetando diretamente a agricultura, o turismo, a saúde pública e a indústria. No Brasil, onde 63,8% da matriz elétrica é dependente de hidrelétricas, a redução de vazões nos rios pode comprometer a segurança energética, levando ao aumento de tarifas e à necessidade de uso de fontes fósseis mais caras e poluentes (BRASIL, 2020).
Proteger as florestas, portanto, não é apenas uma questão ecológica ou moral — é também uma estratégia econômica e de segurança nacional. As políticas públicas de proteção florestal, como o Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651/2012), são instrumentos essenciais, mas precisam ser efetivamente implementadas e fiscalizadas. O estímulo a mecanismos de compensação ambiental, como pagamentos por serviços ambientais (PSA), são caminhos fundamentais para garantir a conservação dos ecossistemas (SOARES-FILHO et al., 2014).
Além das ações governamentais, o engajamento das comunidades locais e dos povos indígenas é decisivo. Essas populações tradicionais são as verdadeiras guardiãs das florestas, mantendo práticas sustentáveis e conhecimentos ancestrais que asseguram o equilíbrio ecológico. Estudos mostram que as taxas de desmatamento em terras indígenas são significativamente menores em comparação com outras áreas (ONU, 2021). Incentivar projetos de manejo sustentável, extrativismo não madeireiro e turismo de base comunitária são estratégias que aliam conservação ambiental, geração de renda e valorização cultural.
A educação ambiental desempenha papel crucial para transformar a relação da sociedade com as florestas e os recursos hídricos. Em comunidades rurais, ainda existe um grande desconhecimento sobre a conexão entre práticas agrícolas inadequadas, como o uso excessivo de fertilizantes e agrotóxicos, e a contaminação da água. Práticas agroecológicas, programas de capacitação e educação ambiental podem assegurar ou mesmo melhorar a produtividade agrícola e diminuir os impactos sobre as florestas e os mananciais hídricos.
Para o setor privado, investir na proteção das florestas e em cadeias produtivas sustentáveis é cada vez mais uma exigência de mercado. Consumidores e investidores buscam cada vez mais empresas comprometidas com a agenda ESG (Environmental, Social and Governance). A adoção de metas de desmatamento zero, a compensação hídrica e os programas de reflorestamento são algumas das estratégias que vêm sendo adotadas por grandes empresas no Brasil e no mundo.
Ao comemorarmos o Dia de Proteção às Florestas, precisamos reconhecer que conservar a floresta é, também, conservar a água — e, por consequência, a vida. O Brasil tem um papel de liderança global na proteção de florestas tropicais e na preservação dos recursos hídricos. Temos o privilégio de abrigar a maior bacia hidrográfica do planeta, um dos maiores reservatórios de biodiversidade e extensas áreas ainda cobertas por vegetação nativa. Contudo, esse privilégio vem acompanhado de uma responsabilidade histórica e ética: garantir que esses recursos sejam preservados para as futuras gerações.
Cada hectare de floresta conservada significa menos sedimentos nos reservatórios, menos custos para o tratamento de água, mais segurança para a produção de alimentos e energia. Em um momento em que o mundo enfrenta secas severas, enchentes destrutivas e escassez de água potável, as florestas surgem como aliadas indispensáveis para a adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
O Dia de Proteção às Florestas não deve ser apenas uma data simbólica, mas um marco para repensarmos nosso modelo de desenvolvimento, abandonando práticas predatórias e priorizando soluções baseadas na natureza. Proteger as florestas é uma necessidade vital para garantir a segurança hídrica, alimentar e climática do Brasil e do mundo.
Referências
AGÊNCIA BRASIL. (2024). Mudanças Climáticas já interferem em secas e cheias na Amazônia: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-07/mudancas-climaticas-ja-interferem-em-secas-e-cheias-na-amazonia
BANCO MUNDIAL. (2021). The Changing Wealth of Nations 2021: Managing Assets for the Future. Washington DC: World Bank: https://openknowledge.worldbank.org/server/api/core/bitstreams/01e0b714-922c-5f28-acff-d8ece61612e2/content
BRASIL. (2020). Fontes de energia renováveis representam 83% da matriz elétrica brasileira: https://www.gov.br/pt-br/noticias/energia-minerais-e-combustiveis/2020/01/fontes-de-energia-renovaveis-representam-83-da-matriz-eletrica-brasileira
FILOSO, S., BEZERRA, M. O., WEISS, K. C. B., & PALMER, M. A. (2017). Impacts of forest restoration on water yield: A systematic review. PLoS ONE, 12(8), e0183210: https://journals.plos.org/plosone/article/file?id=10.1371/journal.pone.0183210&type=printable
MAKARIEVA, A. M., & GORSHKOV, V. G. (2007). Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land. Hydrology and Earth System Sciences, 11(2), 1013-1033: https://hess.copernicus.org/articles/11/1013/2007/
NOBRE, C. A. (2025). Inventing in Regenerative Agriculture. If nature were a bank it would have been saved already:
https://youtu.be/sscT1IDSB94?si=Y7CdzTUbvOkavkzF
ONU. (2021). Novo relatório da ONU: povos indígenas e comunidades tradicionais são os melhores guardiões das florestas da América Latina e do Caribe: https://brasil.un.org/pt-br/123183-novo-relatório-da-onu%C2%A0povos-indígenas-e-comunidades-tradicionais-são-os-melhores-guardiões
SOS Mata Atlântica. (2022). Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica – Período 2020-2021. São Paulo: Fundação SOS Mata Atlântica: https://cms.sosma.org.br/wp-content/uploads/2022/05/Sosma-Atlas-2022-1.pdf
SOARES-FILHO, B., RAJÃO, R., MACEDO, M., CARNEIRO, A., COSTA, W., COE, M., RODRIGUES, H., & ALENCAR, A. (2014). Cracking Brazil’s Forest Code. Science, 344(6182), 363-364: https://www.researchgate.net/publication/310599766_Cracking_Brazil's_Forest_Code
WWF. (2024). Com oito das 12 principais bacias hidrográficas que abastecem o país, Cerrado é bioma mais devastado do Brasil: https://www.wwf.org.br/?89580/Com-oito-das-12-principais-bacias-hidrograficas-que-abastecem-o-pais-Cerrado-e-bioma-mais-devastado-do-Brasil