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Ajustando contas com o futuro: desenvolvimento regenerativo

 

A busca por um futuro sustentável e próspero foi o cerne da Mesa Redonda 2, intitulada "Ajustando contas com o futuro: Desenvolvimento Regenerativo", um dos painéis mais instigantes do Pernambuco Carbon Summit. Sob a moderação de Jô Mazzarolo, da MZ Consultoria, o debate aprofundou a visão de que a sustentabilidade vai além da mitigação de danos, convidando à regeneração ativa dos ciclos de vida e à transformação de indústrias e empresas em pilares de inovação sustentável. Este tema ressoa diretamente com o objetivo central do evento: engajar Pernambuco em melhorias ambientais e consolidar o estado como um laboratório de ideias para uma economia de baixo carbono.

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Foto: Natalia Tenoli

As Contribuições dos Debatedores

Bruna Soldera: A Água no Centro da Regeneração 

A primeira debatedora, Bruna Soldera, do Instituto Água Sustentável, trouxe uma perspectiva crucial ao afirmar que, embora o carbono domine as discussões climáticas, é preciso "colocar o dedo na ferida" e reconhecer que a água é a verdadeira reguladora da vida. Segundo Bruna, "não há ciclo do carbono eficiente sem um ciclo de água funcionando plenamente". Ela destacou que o vapor de água é um gás de efeito estufa muito mais abundante que o carbono, representando 60 a 82% da composição atmosférica, em comparação com 0,04% do carbono.

Bruna Soldera detalhou o papel fundamental das florestas, como a Amazônia e os fragmentos de Mata Atlântica presentes em Pernambuco, na formação dos "rios voadores" através do mecanismo da "bomba biótica". Este processo cientificamente comprovado puxa umidade dos oceanos para o interior do continente, garantindo chuvas essenciais que sustentam a agricultura, a geração de energia e o abastecimento urbano. A palestrante ressaltou que a restauração de ecossistemas, incluindo Mata Atlântica, Caatinga e costeiros, é fundamental não apenas para a captura de carbono, mas para restaurar os ciclos de água, promovendo estabilidade climática e segurança econômica.

Um dos pontos altos de sua fala foi a introdução do "Carbono Azul", capturado por mangues, pradarias e pântanos. Esses ambientes são verdadeiras máquinas naturais de sequestro de carbono, armazenando até oito vezes mais carbono por hectare do que florestas tropicais, principalmente no solo, e são vitais para a proteção costeira e a biodiversidade. Bruna encerrou sua apresentação com uma poderosa reflexão: se somos capazes de precificar o carbono e a biodiversidade, devemos também precificar a água. Ela propôs a criação de "Créditos de Água" como uma ferramenta inovadora para remunerar quem protege e regenera os ciclos hídricos, posicionando Pernambuco na vanguarda de uma nova economia regenerativa, onde a água é reconhecida como um motor econômico.

Eunice Castro: A Jornada Regenerativa do Grupo Moura 

Na sequência, Eunice Castro, do Grupo Moura, compartilhou a jornada da empresa em direção a uma economia verdadeiramente regenerativa, que vai além de não causar danos, buscando gerar benefícios positivos. A Moura se tornou uma Empresa B, integrando não apenas parâmetros ambientais, mas também sociais em sua cadeia de valor.

Eunice destacou investimentos massivos em educação em Belo Jardim, cidade onde a Moura está presente há 67 anos. O objetivo é melhorar o IDEB local e qualificar a mão de obra, incluindo a construção de escolas e programas como o Avance IDEB, com a meta de colocar Belo Jardim entre os 10 melhores IDEBs de Pernambuco até 2030.

No âmbito ambiental, a Moura investiu mais de R$ 135 milhões em sustentabilidade. A empresa já alcançou 36% de redução no consumo de água (com meta de 55%) e implementou 100% de reuso de águas de produção em quatro de suas sete plantas. Um dos pilares da Moura é a economia circular, que se reflete na reciclagem de 100% das baterias de chumbo-ácido comercializadas no Brasil, resultando em uma redução de CO2 por meio do reuso de insumos e otimização logística – os caminhões nunca rodam vazios, reduzindo o escopo 3 em 50%. Eunice detalhou um investimento de R$ 845 milhões em uma nova unidade de reciclagem, que substituirá cinco fornos por três para uma capacidade maior, reduzindo o consumo de gás natural e implementando a reciclagem total do ácido.

Por fim, Eunice apresentou a Reserva Energia das Nascentes, uma ação regenerativa que visa revitalizar as 1194 nascentes do rio Bituri, no Brejo de Altitude em plena Caatinga pernambucana. Essa iniciativa contribui para o abastecimento de quatro cidades e envolve a comunidade em produção sustentável, promovendo a biodiversidade e gerando impactos positivos.

 

Gilberto Freyre Neto: Legado Histórico e Desafios Atuais

Encerrando as apresentações, Gilberto Freyre Neto trouxe uma rica perspectiva histórica e cultural, conectando o debate atual sobre sustentabilidade ao legado de seu avô, Gilberto Freyre. Ele mencionou que a obra de Gilberto Freyre, especialmente o livro "Nordeste" de 1936, foi um tratado revolucionário sobre ecologia para a época, questionando o impacto de um modelo de desenvolvimento baseado em latifúndio, monocultura e escravidão. Gilberto Freyre Neto ressaltou a persistência de mazelas geradas por esse modelo, que impactou o planejamento urbano e o desenvolvimento territorial, e como Pernambuco se apresenta como um "ensaio" para o caos climático.

Ao discutir as soluções, ele apontou para o etanol como uma ferramenta de descarbonização e para as novas energias, como solar, eólica e hidrogênio verde, como grandes ferramentas de desenvolvimento. Contudo, enfatizou que, acima de tudo, a educação é essencial. É preciso traduzir o debate técnico e de alto nível para o cotidiano das pessoas, em todas as faixas etárias, para que a sociedade participe ativamente da mudança. Ele mencionou desafios como o plástico, um "grande problema" para o qual ainda não temos solução efetiva.

Provocador por natureza, Gilberto Freyre Neto concluiu destacando o potencial do Brasil como o maior sumidouro de carbono do mundo, mas lamentou a falta de liderança e efetividade em transformar esse potencial em ações concretas, muitas vezes dependendo de ferramentas e interesses externos. Ele instigou a audiência a focar em soluções locais para os problemas de Pernambuco, utilizando as próprias ferramentas e políticas, e reforçou o papel de Suape como um "porto verde" e o protagonismo que Pernambuco pode e deve exercer no desenvolvimento atlântico, com o meio ambiente em primeiro plano.

 

Conclusão

A Mesa Redonda 2 do Pernambuco Carbon Summit demonstrou que o desenvolvimento regenerativo é um imperativo prático e uma oportunidade multifacetada para o estado. As apresentações de Bruna Soldera, Eunice Castro e Gilberto Freyre Neto convergiram para a ideia de que a jornada para um futuro sustentável exige uma visão holística, que integre a vitalidade da água e dos ecossistemas costeiros, a inovação empresarial impulsionada pela economia circular e social, e a consciência histórica e educacional necessária para transformar desafios em soluções. O evento, realizado pelo Instituto Água Sustentável, reforça o compromisso de Pernambuco em ser um protagonista na transição para uma economia de baixo carbono e um modelo de desenvolvimento que, de fato, ajusta as contas com o futuro, garantindo prosperidade e equilíbrio para as próximas gerações.