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Tragédias como a do litoral norte de SP poderiam ser evitadas?

Anualmente vemos notícias sobre as chuvas intensas que causaram enchentes, alagamentos e deslizamentos de terra em diversas partes do país, as mais recentes foram sobre a catástrofe que acometeu o litoral norte do Estado de São Paulo. 

Em São Sebastião, a região mais atingida, o volume de chuva registrado no fim de semana foi de 640 mm em 24 horas, segundo Fabrício Araújo Mirandola do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) a média para o mês de fevereiro inteiro é de 225 mm (BBC NEWS BRASIL, 2023).

Não tem como não se impactar e se solidarizar com a população atingida, em meio a um cenário que mais parece um cenário de guerra, onde a natureza varreu tudo com a sua fúria: estradas destruídas e cheias de terra e árvores, casas que estão repletas de lama ou foram levadas com a enxurrada, pessoas que perderam as vidas e entre elas famílias inteiras, sem energia elétrica e sem água, sem transporte para retirar a população isolada, é uma tragédia sem fim! 

Fonte: Canva Pro

Mas as perguntas que ficam são: se isso poderia ter sido evitado? Se as cidades que recebem milhares de turistas todos os anos poderia ter uma infraestrutura melhor para conseguir lidar melhor com um evento que já é anunciado? Os fundos destinados pelo governo são suficientes? Há políticas públicas relacionadas a essas questões? Quem é o responsável por fazer o monitoramento, mapeamento, treinamento? 

Quem faz o monitoramento e alertas relacionados a desastres naturais?

Criado no ano de 2011 o Centro Nacional de Monitoramento de Alertas e Desastres Naturais (Cemaden) é o centro responsável pela prevenção e gerenciamento da atuação governamental perante eventuais desastres naturais ocorridos no nosso território.

“O Cemaden, monitora, 24 horas por dia, as áreas de risco de municípios classificados como vulneráveis a desastres naturais em todo o território nacional. Gerencia as informações emitidas por radares meteorológicos, pluviômetros e dados provenientes de previsões climáticas, repassando as informações para os órgãos competentes em todo o Brasil, visando antecipação perante possíveis ocorrências de situações meteorológicas que possam levar a ocorrência de um desastre natural.” (CEMADEN)

 Fonte: Canva Pro

Alguns avisos foram emitidos pela Defesa Civil de São Paulo e pelo Cemaden, porém foram subestimados, pois ninguém se atentou que poderia ser de fato um alarme importante e que levaria a tal catástrofe. 

“O Cemaden emitiu boletins falando do alto risco de "eventos hidrológicos" na região pelo menos desde o dia 13.”

“[...] ‘Somente no dia 18/02 mais de 60 alertas foram emitidos, entre eles para Ubatuba, Ilhabela, Caraguatatuba e São Sebastião; portanto, desde o dia 16/02 a região litorânea de SP estava sob atenção, disse o Cemaden’. 

Marcelo Seluchi, que é meteorologista da instituição, afirma que o episódio foi ‘bem previsto e avisado’ aos órgãos competentes e aos governos locais, mas reconhece que a dimensão do desastre não era tão previsível” (BBC NEWS BRASIL, 2023).

Apesar de todo avanço em relação ao mapeamento e análise de dados do Cemaden, é preciso mais ferramentas para poder prever e evitar tais acontecimentos, claro que os deslizamentos podem, muitas vezes, não ser evitados, mas as mortes podem, e por isso é necessário a implantação de radares meteorológico e mais estações de superfície, em especial no litoral para se entender melhor as tipologias das chuvas, além de contratações de mais profissionais especializados, como bem mencionado pelo Prof. Fábio Reis (UNESP). 

Investimento em infraestrutura para controle de desastres naturais

Em relação a verba destinada para gestão de riscos e desastre é a menor em 14 anos conforme foi levantado pela Associação Contas Abertas, segundo o G1 (2023) “a previsão é de R$1,17 bilhão para todo o ano em ações de prevenção e atendimento emergencial. É um dinheiro destinado a obras como contenção de encostas, drenagem, estudos de áreas de risco, entre outros, que visam prevenir desastres naturais pelo país”.

Dentre os seis municípios mais afetados e que declararam emergência, Bertioga, Caraguatatuba, Ilhabela, Guarujá, São Sebastião e Ubatuba, somente Guarujá e Ubatuba receberam recursos dos programas federais de prevenção e recuperação de desastres em 2022 (G1, 2023).

Fonte: Canva Pro

O crescimento e expansão urbana de forma irregular agrava ainda mais o problema, e isso não é um fato recente, em 2013 Manrandola Jr et al. já evidenciava o problema “em seu próprio processo constitutivo, riscos e perigos que se expressam pela falta de ajuste e aderência da produção do espaço urbano aos sistemas naturais. Esta situação se agrava quando o próprio sítio é naturalmente frágil, como é o caso das áreas costeiras do litoral norte de São Paulo”. Sem profissional adequado e falta de verba os municípios não conseguem fazer uma gestão e ocupação planejada e isso acaba atingindo a população mais vulnerável, mais pobres. 

Outro fator econômico que extrema importância é a reconstrução das moradias e retirada da população das zonas de riscos, reconstrução e reparos de estradas, verbas que serão destinadas para suporte da população, gastos com saúde, esses são requisitos básicos que custarão milhões ou até bilhões de reais aos cofres públicos. Sempre é melhor prevenir do que remediar, e neste caso muitas vezes não há como remediar, por isso é extremamente importante as obras de contenção, hidráulicas e remoção das pessoas em áreas de risco com execução anual e de forma contínua.

Fonte: Canva Pro

Políticas públicas e treinamento da população

Os desastres ambientais têm mobilizado a sociedade anualmente e entrado nas pautas de discussões do governo, porém quando as chuvas cessam parece ocorrer uma amnésia para quem não sofreu os prejuízos e acaba desaparecendo das pautas governamentais. 

Fonte: Canva Pro

De acordo com o Jornal Estadão (2022) a Lei Federal 12608/2012, a qual instituiu a Polí­tica Nacional de Proteção e Defesa Civil - PNPDEC, dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil - SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil - CONPDEC, mostrou alguns caminhos para a incorporação do meio físico e suas ameaças no planejamento urbano e territorial e na prevenção de desastres, e se fez obrigatório os municípios elaborarem seus mapeamentos de áreas de riscos de desastres e as cartas geotécnicas (Lei 12.608/12, artigo 3º, parágrafo 2º, incisos I e V). 

Porém, os progressos foram muito aquém da realidade, houve esvaziamento de recursos, estruturas e aplicação de medidas, havendo um enorme retrocesso de políticas públicas de proteção e na legislação dos direitos sociais no Brasil (ESTADÃO, 2022), sendo que a “atual política ficou restrita ao atendimento desordenado no pós-desastre.”

É preciso realizar treinamento com os órgãos gestores de áreas vulneráveis e com a população, esse é um dos primeiros passos para se evitar mortes ou ao menos reduzir. Uma população despreparada é o que vemos constantemente quando há desastres naturais que atingem inúmeras comunidades. 

Fonte: Canva Pro

Temos um país marcadamente frágil em relação à cultura de precaução e prevenção de desastres. Sem uma orientação clara e políticas e regulamentos bem estabelecidos pode ser difícil garantir que as medidas de prevenção e gestão de riscos de desastres naturais sejam efetivas e implementadas de maneira consistente. Como bem pontuado pelo Geólogo e Professor da Unesp, Fábio Reis,  “o gargalo não é técnico. As áreas estão mapeadas, os planos de redução de riscos estão feitos, o Brasil sabe onde tem que ser feitas as obras”.

 

FONTE:

BBC NEWS BRASIL, 2023

CEMADEN

JORNAL ESTADÃO, 2022

MANRANDOLA JR et al., 2013

G1, 2023