Semeando Sustentabilidade - Boas Práticas Agrícolas e Uso Eficiente da Água no Alto Tietê-Cabeceira
Garantir água de qualidade e em quantidade suficiente para todos é um dos maiores desafios do nosso tempo. A pressão sobre os recursos hídricos tem aumentado em todo o país, especialmente nas regiões com forte atividade agrícola e crescimento populacional. No Alto Tietê, área estratégica para o abastecimento de milhões de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo, a agricultura tem papel essencial na produção de alimentos, mas também é necessária a conservação dos mananciais – fonte primária para a agricultura. É nesse contexto que surge o projeto “Capacitação da População Rural em Boas Práticas Agrícolas e Técnicas de Irrigação na Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais Alto Tietê (APRM-ATC)”, uma iniciativa do Consórcio de Desenvolvimento dos Municípios do Alto Tietê (CONDEMAT), financiamento do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO) e desenvolvido pelo Instituto Água Sustentável.
O projeto tem como objetivo principal capacitar produtores rurais e agentes públicos municipais que atuam na APRM-ATC, promovendo o uso eficiente da água e práticas agrícolas sustentáveis. A proposta parte de um princípio simples, mas poderoso: produzir mais e melhor, com menos desperdício e menos impacto ambiental. Por meio de oficinas presenciais, material didático especializado e ações de campo, a iniciativa busca unir conhecimento técnico, experiência prática e valorização da realidade local — elementos fundamentais para o desenvolvimento sustentável do território.
O desafio da água e da produção no Alto Tietê
A região do Alto Tietê, especialmente sua porção da Sub-bacia Cabeceiras, é um verdadeiro mosaico de funções ambientais e econômicas. Além de abrigar os sistemas produtores de água Alto Tietê e Rio Claro — responsáveis por abastecer mais de 4 milhões de pessoas —, o território também é reconhecido como um dos maiores polos produtores de hortaliças, frutas e flores do Estado de São Paulo. Essa vocação agrícola, no entanto, depende diretamente da disponibilidade e da qualidade da água.
De acordo com o Atlas de Irrigação da Agência Nacional de Águas (ANA, 2021), o Brasil deverá ampliar em 79% sua área irrigada até 2040. Isso mostra que a irrigação continuará sendo uma prática essencial para a agricultura nacional, mas também representa um alerta: sem manejo adequado, o aumento da irrigação pode pressionar ainda mais os mananciais. No caso do Alto Tietê, onde grande parte da produção se dá em áreas de mananciais, é urgente buscar soluções que conciliem produtividade e conservação.
Estudos realizados pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT, 2014; 2021) mostram que o uso do solo na região é majoritariamente agrícola, com destaque para as áreas de reflorestamento, campo e cultivo hortifrutigranjeiro, que juntas correspondem a cerca de 47% da área total. Esse dado reforça a importância da agricultura na dinâmica econômica local, mas também evidencia o quanto o uso inadequado da terra pode impactar os cursos d’água. O escoamento de sedimentos, o uso excessivo de agroquímicos e o manejo incorreto do solo e da irrigação são fatores que comprometem a qualidade da água e aumentam os custos de tratamento e abastecimento.
Nesse cenário, a capacitação proposta pelo CONDEMAT se torna um instrumento estratégico: formar produtores conscientes e técnicos capacitados para promover uma agricultura que respeite o meio ambiente e assegure o futuro da produção e da água.
Boas práticas agrícolas: produzir cuidando da água e do solo
As boas práticas agrícolas são um conjunto de ações que visam garantir a qualidade e a sustentabilidade da produção rural. Elas envolvem desde o preparo do solo e a escolha de cultivos adequados até o manejo correto da irrigação, dos fertilizantes e dos defensivos agrícolas. Quando aplicadas de forma integrada, essas práticas reduzem a contaminação dos mananciais, aumentam a infiltração da água no solo, evitam erosões e melhoram a fertilidade e a produtividade das lavouras.
Entre os benefícios diretos das boas práticas estão:
- Uso racional da água, com técnicas de irrigação mais eficientes, evitando desperdícios e garantindo maior produtividade por litro utilizado;
- Redução de custos de produção, já que a eficiência no uso de insumos e recursos hídricos diminui gastos e perdas;
- Melhoria da qualidade do solo e da água, contribuindo para a conservação dos ecossistemas locais e para o equilíbrio do ciclo hidrológico;
- Aumento da resiliência da produção rural, especialmente frente às mudanças climáticas, que têm tornado os períodos de seca e chuva cada vez mais irregulares.
A adoção dessas práticas é também uma forma de valorização do produtor rural, que se torna protagonista na transição ecológica e no fortalecimento da agricultura sustentável. Ao aprender a manejar melhor seus recursos, o agricultor não apenas protege o meio ambiente, mas também fortalece seu próprio negócio, garantindo continuidade e reconhecimento social.
A capacitação: unir teoria, prática e participação
O projeto foi desenhado para atender às necessidades reais dos produtores da região. Serão oito oficinas presenciais, realizadas nos municípios de Biritiba Mirim, Mogi das Cruzes, Salesópolis e Suzano, com a oferta de 300 vagas para produtores rurais e técnicos municipais. As atividades combinam três pilares: conteúdo teórico, ferramentas participativas e visitas de campo.
As oficinas adotarão o enfoque participativo, uma metodologia que valoriza a troca de experiências, o diálogo e o aprendizado coletivo. Segundo Brose (2001) e Cordiolli (2001), esse tipo de abordagem estimula o pensamento crítico e a busca de soluções locais para problemas comuns, fortalecendo o senso de pertencimento e responsabilidade ambiental.
Após as capacitações, os participantes receberão o Guia de Boas Práticas Agrícolas e Técnicas de Irrigação, elaborado especialmente para o projeto. Esse material didático reúne informações técnicas e recomendações práticas sobre temas como manejo do solo, irrigação sustentável, conservação da água, controle de erosão e uso consciente de insumos agrícolas. O guia também ficará disponível em formato digital, garantindo acesso contínuo aos conteúdos e ampliando o alcance do conhecimento.
Além da teoria, a vivência prática será um ponto-chave do processo de aprendizado. As visitas de campo permitirão que os participantes observem, na prática, exemplos de boas práticas agrícolas aplicadas em propriedades locais. Essa etapa é fundamental, pois facilita a compreensão e a aplicação dos conceitos aprendidos, conforme destacam Lima e Assis (2005) e Moreira e Marques (2021), para quem o aprendizado se fortalece quando a teoria é vivenciada no ambiente real.
Parcerias e fortalecimento institucional
A execução do projeto envolve uma ampla rede de parcerias e atores institucionais. O CONDEMAT coordena a iniciativa e o Instituto Água Sustentável implementa as ações, contando com a participação direta das Câmaras Técnicas de Agricultura e de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, além do suporte técnico do Comitê de Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (CBH-AT) e o financiamento do FEHIDRO, principal fundo estadual voltado à gestão sustentável das águas.
Também participam as prefeituras dos municípios integrantes da APRM-ATC, universidades, associações de produtores e sindicatos rurais, que têm papel essencial na mobilização do público-alvo e na disseminação dos resultados. Destaque especial para a CATI Mogi das Cruzes, Sindicato Rural Mogi das Cruzes, Secretaria de Agricultura e Segurança Alimentar de Mogi das Cruzes, Prefeitura de Suzano / Departamento de Agricultura, Secretaria de Agricultura de Biritiba-Mirim e Secretaria de Agricultura de Salesópolis.
Essa articulação institucional é uma das grandes forças do projeto, pois garante continuidade e integração das ações com as políticas públicas de meio ambiente e agricultura sustentável da região.
Impactos esperados: sustentabilidade que gera resultados
Os benefícios da capacitação vão muito além do aprendizado técnico. Ao promover o uso racional da água e a adoção de boas práticas agrícolas, o projeto contribui diretamente para a melhoria da qualidade dos mananciais, o fortalecimento da economia rural e a valorização do produtor como agente de transformação ambiental.
Entre os resultados esperados estão:
- Redução do desperdício de água nas propriedades agrícolas;
- Adoção de sistemas de irrigação mais eficientes;
- Diminuição da contaminação dos solos e cursos d’água por cargas difusas;
- Aumento da produtividade e da rentabilidade das pequenas propriedades;
- Formação de multiplicadores locais capacitados para difundir o conhecimento adquirido.
Com isso, espera-se criar um ciclo virtuoso: produtores mais conscientes e capacitados geram uma agricultura mais eficiente, que conserva os recursos naturais e garante a sustentabilidade dos mananciais que abastecem milhões de pessoas.
Um projeto para o futuro da água e da agricultura
O projeto “Capacitação da População Rural em Boas Práticas Agrícolas e Técnicas de Irrigação na APRM Alto Tietê” representa mais do que uma ação pontual de treinamento. Ele é um investimento no futuro da agricultura e da água — um passo importante na construção de uma cultura de sustentabilidade e cooperação entre o campo e a cidade.
Com duração de 12 meses, a iniciativa reafirma o compromisso do CONDEMAT, do Instituto Água Sustentável e de seus parceiros com o desenvolvimento sustentável, a proteção dos mananciais e a valorização dos agricultores que garantem o alimento na mesa da população. Ao unir ciência, prática e participação, o projeto mostra que é possível conciliar produção e preservação — e que o cuidado com a água começa com cada decisão tomada no campo.
Referências:
Agência Nacional de Águas (ANA). Atlas de Irrigação – Uso da água na agricultura irrigada. Brasília, 2021.
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental da Sub-Bacia do Alto Tietê – Cabeceiras. São Paulo, 2014.
Fundação Agência da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (FABHAT). Relatório de Situação dos Recursos Hídricos – 2019.
Martone, G. B. (2017). Fundos de Águas como estratégia de sustentabilidade na gestão dos recursos hídricos.
Brose, M. (2001). Metodologia Participativa – uma introdução a 29 instrumentos. Porto Alegre: Tomo Editorial.
Cordiolli, S. (2001). Enfoque Participativo: um processo de mudança. Porto Alegre: Genesis.
Lima, V. B.; Assis, L. F. (2005). Mapeando roteiros de trabalho de campo em Sobral (CE): uma contribuição ao ensino de Geografia.
Moreira, G. S.; Marques, R. V. (2021). A importância das aulas de campo como estratégia de ensino-aprendizagem. Brazilian Journal of Development.